Grupos de Diálogo para Investigação das Raízes do Conflito

Nenhuma sociedade diversa e plural (diversidade e pluralidade que são riquezas em potencial) pode sobreviver como tal sem o convívio fundado na aceitação e na tolerância para com o diferente. Está claro que existem no Brasil visões antagônicas e projetos em choque (algo que em si deveria ser saudável, na medida em que proporciona o aprendizado mútuo e, assim, a evolução). Porém, as crescentes dificuldades de tolerância e de aceitação entre os diferentes, rumando para se cristalizar em impossibilidade de convívio, apontam para um futuro sombrio, de exclusão ou mesmo de extermínio. A utopia dos Grupos de Diálogo foi concebida para transcender esse impasse.

No espaço de tempo de uma vida (ou de uma geração) nós somos capazes de distinguir as mudanças no mundo. Por exemplo: “há dez anos, as pessoas tinham muito mais privacidade do que hoje, com essas redes sociais, e câmeras por todo lugar”; “há vinte anos, não havia celulares, as pessoas falavam de telefones fixos em casa e de ‘orelhões’ na rua, e ainda se postavam cartas no correio, pois mal havia e-mail”; “há trinta anos, as crianças tinham muito mais respeito pelos professores em sala de aula”; “há quarenta anos, praticamente não havia mulheres em cargos gerenciais”; e assim por diante.

Bem mais difícil é distinguir as mudanças havidas em horizontes de tempo mais longos.

Uma das principais mudanças havidas ao longo dos últimos seis, sete séculos, gradativamente, foi a passagem da vida em comunidade, em que os indivíduos consideravam a coletividade como mais importante do que si próprios (e assim colocavam o interesse em comum acima dos seus interesses pessoais), para uma vida orientada segundo a individualidade de cada um, o que, claro, resultou no avanço do individualismo, algo que todos percebemos muito claramente.

A História não anda para trás, e a vida em comunidade não vai voltar (ela hoje apenas subsiste em sociedades tribais). Mas outras coisas podem voltar – e é preciso que voltem. Estamos falando do padrão de conversação.

Na (hoje extinta) vida em comunidade, o padrão de conversação era orientado ao ouvir, porque, se o resultado que importava da conversação era um resultado que atendesse o interesse coletivo (e não o individual), então todos precisavam ouvir uns aos outros muito mais do que falar. Já na vida moderna, falar é a oportunidade que cada um tem para expressar perante os demais a sua individualidade única, e é assim muito mais importante do que ouvi-los.

Ainda que essa transição tenha durado séculos, um dentre seus aspectos é nitidamente observável no passado mais recente: o advento das redes sociais, de início saudado como uma oportunidade de integrar o mundo inteiro em uma rede de partilhas (e de aprendizado mútuo), rapidamente converteu-se em um espaço para a autopropaganda de cada um, com as pessoas cada vez mais se isolando dentro de grupos onde todos pensem mais ou menos igual.

No futuro (não tão distante) não haverá senso de sociedade possível, muito menos democracia, se as pessoas não se dispuserem a cultivar um mínimo de tolerância para com a diferença. E a chave para isto está no padrão de conversação, por meio de um retorno, em alguma medida, aos modos de conversação comunitários de séculos atrás.

Há uma metodologia comprovadamente efetiva para isto, desenvolvida há mais de trinta anos pelo físico quântico David Bohm e por ele batizada “diálogo” (apesar de usarmos essa palavra em nosso cotidiano querendo significar simplesmente “conversação”).

O diálogo (no sentido de Bohm) é uma técnica extremamente simples, praticada dentro de um grupo, para levar os integrantes desse grupo a se acostumar com um padrão de conversação (até então inédito para eles) em que o ouvir tem precedência sobre o falar, e em que os resultados naturalmente convergem para o interesse coletivo em comum em lugar dos interesses individuais de cada um.

A técnica é simples, contudo não é nada fácil, por duas razões: em primeiro lugar, ela exige muito tempo. Grupos que se reúnem uma vez por semana, entre duas a três horas a cada encontro, costumam levar meses até começar a colher resultados expressivos.

Essa seria a principal razão para o diálogo não ter se disseminado: cada vez mais, tempo é um luxo a que as pessoas não se permitem. Não obstante, em situações extremas (como foi o caso de alguns processos de conciliação nacional em sociedades conflagradas, mencionados no livro), pessoas se viram obrigadas a encontrar tempo para o diálogo – com resultados recompensadores.

A segunda razão: a técnica exige também engajamento psíquico de cada um. Porque a prática do diálogo leva naturalmente a que cada participante vá se tornando mais perceptivo quanto aos condicionamentos ocultos que governam o seu pensar, e que são na sua maioria condicionamentos de fundo cultural, ou seja, impostos pelo meio social. Este processo de se dar conta do quanto o meio social em que se vive exerce influências nocivas sobre o nosso próprio pensar é algo que pode se mostrar uma experiência psiquicamente árdua.

Vivemos no Brasil tempos de esgarçamento do tecido social. Mazelas como polarização, intolerância, ofensas, perseguições e difamação vão se tornando a nova normalidade das relações sociais.

O advento de grupos de diálogo dispersos e desconectados uns dos outros, mas que venham cada um a experimentar todo esse conflito como parte necessária do processo de conversação dentro do grupo, virá com o tempo gerar acumulações e inovações de início localizadas, mas que aos poucos poderão se integrar, se disseminar e chegar a parcelas cada vez maiores da sociedade.

Utilize o menu localizado no canto superior direito para navegar pelas outras páginas do site